Das pregas do corpo exalava o cheiro das lides. O cheiro da vida remediada que tornava o ar carregado de estrugido, de suor e de terra. Madalena tinha-se habituado e gostava. Gostava mesmo quando o odor a peixe se sobrepunha aos gritos do matrimónio conturbado e, forte, perdurava para além de qualquer reconciliação apressada e do prazer fugaz que se consumava, de pé, mesmo ali, agarrada ao fogão. Na sua simplicidade, pensava que era o cheiro natural do amor.
Madalena era um ser generoso que esculpia a sua vida a partir dos nadas que a compunham. Sonhava momentos de perfeição e nem as maiores calamidades a despertavam do seu torpor. Vivia alegre na sua ignorância e na incapacidade de vislumbrar para além do seu quintal.
Naquele dia mirava ao espelho a pele franzida, as marcas profundas de quem nunca teve o que merecia e desenhava no ar o contorno das borbulhas, a adiposidade das ancas e as varizes que lhe coloriam de púrpura as pernas grossas.
Gostou das cores e sentiu a vontade arrebatadora de se tornar bonita. Imaginou uma vida de luz e de cor que escondesse o cinzento da seu dia a dia miserável. Um clarão que apagasse da memória, para sempre, o traço do seu corpo abusado.
Madalena era empreendedora.
Laboriosa trabalhou sem parar até construir um mundo de luzes mirabolante. Ao fundo da sua memória foi buscar todas as imagens que a tinham feito feliz. Simples como era, as imagens sucederam-se em quantidade tal que quase comprometiam a sua capacidade de trabalho. Conchas, sardinhas, faróis, cata ventos, carrinhos de feira, até uma cartomante e um senhor de quem ela já não se lembrava mas que sabia que tinha sido generoso. Todo o seu imaginário foi transformado em estátuas de luz.
E foi assim, desleixada e cansada que aguardou o marido. Sorria contente, antecipando o início da vida nova. Perdida na claridade, Madalena suspirava pelo amor que não conhecia mas que, no fundo, acreditava existir.
Mal a porta bateu, Madalena, trémula de excitação, não se controlou e correu pesada ao encontro do seu destino.
- Olá!
- Olá!
- Gostas?
- Apaga a luz!
- Porquê?
- És feia!
Na pressa de agradar, incapaz de contradizer quem tanto lhe dava, Madalena captou o momento. Depois, com uma ligeireza que desconhecia, Madalena apagou a luz.

Sem comentários:
Enviar um comentário