sexta-feira, novembro 24, 2006

Noites...

Nas noites de tempestade gosto de ver a Urze, o incenso e a Faia envolvidas no vermelho vivo do fogo. Gosto de sentir a onda de conforto que me envolve e mantém junto à lareira.

Gosto de ouvir ranger, dobrar e arrastar. Gosto de saber que lá fora o vento passeia sem respeito pelas barreiras. Gosto, sobretudo, de ver o mar a transformar a costa numa linha indefinida, sem fronteira.

Hoje acrescentei um pouco de cenário à peça.

Para tornar ainda mais perfeita a noite canto com os melhores. Embarcamos no Tannhauser de Wagner com o apoio entusiasta da Filarmónica de Berlin e os gestos precisos de Karajan. Vejo a sua mão direita marcando as minhas entradas sucessivas.

Bravo! Bravo!

E rebenta com fúria a vaga de Noroeste.

Bravo!

E sopra lascivo o vento por baixo de todas as portas,

Bravo!

E rebenta a chuva em cima dos telhados.

Neste cenário de humidade e fogo ocorre-me que vivo numa terra que não existia. Num pedaço de rocha que se libertou do fundo do mar e que se torceu e esticou até ver o céu. Ocorre-me que vivo abraçado a um vulcão entalado em três placas tectónicas e que, de vez em quando, treme. Treme com a força que só os desesperados conseguem fazer.

E afinal, que tipo de homem consegue domar uma terra convulsa? Que homem vive em cima do fogo sem abalar as suas certezas? Que homem enfrenta o mar com a mesma crueza com que afasta a lava do seu caminho?

Um relâmpago rasga a noite.

O olhar assustado da minha cadela dá-me a resposta.

Sem comentários: