quarta-feira, maio 17, 2006

A velha, o doente e a rafeira

O enorme buraco por onde penetram as naves espaciais, também elas em formato “supositóide”, é uma criação deslumbrante que não cessa de nos maravilhar.

Curioso é o facto de o macro se repetir no “imensamente macro”, da mesma forma que se reproduz no micro e no “mini micro”. As estruturas assemelham-se de forma assustadora. E não se pense que me refiro apenas à matéria celestial. Pelo contrário, as estruturas humanas e animais seguem o mesmo padrão repetitivo e previsível.

Assim chegamos à minha história:

Tenho cá em casa uma cadela, a “morgana”, a quem a idade pesa mais do que ela gostaria. Cansa-se a andar, subir escadas é uma tortura e lutar pelos seus direitos uma canseira que lhe trás, apenas, um maior desgaste do já fraco coração. Por isso, e porque não tem outra alternativa, vai aceitando pequenas invasões e perdas de privilégios. No fundo, e de uma forma realista, resigna-se à posição que sempre impôs aos outros: a de personagem secundária. Assim sempre evita que lhe aumentem as dores reumáticas.





Outro personagem, outrora rei do grupo, é o Merlin. Do alto do seu físico impressionante, nunca encontrou rival que o igualasse. Comia primeiro, levantava a pata e largava a sua assinatura nos quatros cantos do território e, sem precisar de muito esforço ou empenho, mantinha o resto do gang a uma distância segura, na hora das refeições. Agora, doente, magro e meio confuso da medicação, tropeça no seu próprio pé, manifesta os primeiros sinais de incontinência e depende de quem lhe quiser dar os medicamentos a horas. Do seu orgulho resta-lhe apenas o rosnar, mais amedrontado do que decidido, que consegue emitir quando sente o primeiro toque na cauda, na hora de “ver a febre”. Privilégios é coisa de já não se lembra quando, com um olhar confuso e agradecido, chega a hora da pequena refeição que o seu estômago dorido comporta.



A terceira personagem dá pouco nas vistas. É rafeira de origem e levou as pancadarias da vida. Nunca sonhou muito mais longe do que o prato do dia a dia e, chegava mesmo a ir enterrar uns bocados de comida para precaver o seu futuro incerto. Agora, sentindo a debilidade dos outros, rodeada de doentes e velhos, mostra as suas garras. Calmamente e de forma calculista vai ganhando terreno, alimentando-se das fraquezas dos outros.



Tal e qual como na vida real!

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