Juan Pedro estava furioso da vida. Tinha encontro com os “gringos” em Chichicastenango às dez hora “por la mañana” e esqueceu-se que era dia de mercado em Solola. Ia chegar atrasado.
Carregava com força na buzina e insultava os vendedores que se atravessavam no seu caminho. Ao peito, na sua T-shirt negra, as letras garrafais diziam “100% Chapin, como mi mama”. E como verdadeiro “chapin”, filho e neto de Maias e desde sempre morador de Santa Catarina, lá ia encostando o carro ao traseiro dos transeuntes e ganhando algum terreno.
Juan Pedro conseguiu sair de Solola mas não o conseguiu fazer a tempo. Por isso fez o que podia. Carregou no acelerador e ignorou todos os avisos. Quando lia na estrada as tabuletas a dizer “disminua su velocidad”, sabia que a mensagem não se dirigia a ele. Ele trabalhava com turistas e, como tal, o maior pecado era o atraso.
E foi em velocidade que passou pela “Iglesia Mission Príncipe de la paz”, e foi com impaciência que esperou na fila do controlo de frutas à saída de Encuentros. Foi lendo a lista da “fruta que no pasa” até que, finalmente, chegou a sua vez.
Passou sem problema e meteu-se cerro abaixo, fazendo as curvas apertadas à velocidade máxima que conseguia. Várias vezes sentiu o carro a sair de lado nas curvas e pensou que devia ter trocado os pneus. Os traseiros já não estavam grande coisa.
Ao ver que se aproximava o cerro Pasqual Abaj, onde os Maias têm o seu altar e fazem sacrifícios rituais todos os dias, rezou baixo ao sol e fechou a oração com o sinal da cruz. Sentiu-se seguro, mesmo na curva onde a cruz assinalava a saída de estrada do “loco” que levou o bus publico e mais de vinte ocupantes pela estrada fora e ao encontro da luz eterna. Todos “muertos”, mesmo a seguir à placa que avisava: “gancho peligroso”.
Juan chegou com vinte minutos de atraso e nunca soube que os “gringos” já estavam a tentar arranjar outro carro que os levasse para a cidade capital.
Pensando em ganhar algum do tempo perdido, Juan nem parou para ir aos “sanitários”. Com pressa carregou o carro e pensou: “gringos locos, compraram todo el mercado”.
E arrancou o mais rápido que pode.
Fez o caminho inverso até Encuentros e, aí, virou no sentido contrário de Solola. O caminho estava bom e tudo corria bem. Assim foi durante uns quilómetros. Não tardou, no entanto, que as obras na estrada lhe travassem o passo. No meio da estrada lá estava o tronco de madeira com os pregos espetados e virados para cima. A única forma de parar os condutores dos “bus público” e, também, todos os outros. Foi o segundo carro a chegar, o que significava que a espera ia ser grande.
Parado junto ao “comedor el buon Samaritano” foi vendo os outros carros a fazerem uma fila que se perdia para lá das curvas que o trouxeram até aquele sítio. Começaram a chegar os vendedores de cestos, de fruta e de bebidas. Também os “bus público” que evitavam filas chegavam ao seu lado e estacionavam na berma, do outro lado da estrada, como se a ordem de chegada não fosse lei para eles cumprirem.
Dos “Bus” saíam as gentes dos “pueblos”, desalinhados e com ar de medo. Outros nem sequer conseguiam tirar as mãos do ferro do banco da frente. Mesmo parados não confiavam no condutor e na estabilidade da viagem.
Juan olhava aquela gente dura e revia mamã e papá.
Agora com o contacto com tantos turistas, algumas coisas já não lhe pareciam tão bem como dantes. Quando viu Juana Martina a sair do “bus” ainda pensou em falar com ela. No entanto, quando ela se dirigiu para o lado de um desconhecido que urinava na beira da estrada, encostado aos carros, e se abaixou para fazer o mesmo, levantando um pouco a saia e agachando-se ligeiramente, Juan virou a cara para evitar o contacto.
Não chegou a ver a forma natural como ela limpou os calcanhares molhados inadvertidamente, à bainha da saia.
Apreciando as pessoas e respondendo às perguntas dos turistas Juan viu passar uma hora e viu uma “picop” estacionar à sua direita, fora da estrada, como se tratasse de uma grelha de partida de uma corrida como as que há na América e se vê na televisão. Juan viu, com preocupação que as nuvens baixavam e que começava uma chuva miudinha que tornava a “carretera” em “mantequilla pura”.
Aos poucos foram passando os carros que vinham em sentido contrário. Primeiro eram claros ao sol e, aos poucos foram escurecendo até parecerem fantasmas cinzentos que saiam, de repente, de uma massa escura e espessa. Só se viam mesmo quando chegavam junto de Juan.
Os guardas da estrada informaram que iam abrir a estrada quando já não se via a mais de dez metros de distância. Os motores dos carros começaram a soltar fumo e a fazer muito barulho. Sentia-se no ar a vontade de passar primeiro
Claro que com os “bus público” não havia nada a fazer. Eles aceleravam sempre em frente e esperavam que os outros saíssem do caminho. Foram os “buses” e Juan colou-se a eles. Nem reparou que os turistas deram um salto quando a “picop” quase raspou a traseira do seu carro.
Não tardou muito a sua vantagem. Na curva seguinte, a “picop” acelerou e ultrapassou Juan que se manteve o mais próximo que podia.
Foi com espanto e muita surpresa que Juan viu a “picop” a andar de lado, atravessar-se na estrada e bater no muro do lado direito com a frente. Mesmo assim, a “picop” não parou e continuou a rodar em direcção a Juan e aos turistas. Juan atirou com força os pés para cima dos travões e tentou “frenar”. Nada feito. O seu carro começou a fazer a mesma dança descontrolada que a “picop” tinha feito. Juan viu o pânico da sua cara quando passou os olhos pelo retrovisor e sentiu o saco da bananas dos turistas a passar perto. Ao mesmo tempo ouviu um grito que dizia para não travar, para seguir “adelante”.
Juan tirou o pé do travão, virou o volante no sentido contrário em que o carro estava a derrapar e conseguiu passar rasando a traseira da “picop”. Pelo espelho viu os carros que vinham atrás a derrapar e a passar pelo mesmo sítio que ele tinha passado Se tinha batido, Juan tinha sido entalado entre um camião e a “picop”. Dentro do carro estavam todos muito brancos e em silêncio.
Juan não se lembrou de dizer mais nada. Apenas disse:
“Quieren parar para ir el baño?”
“No Gracias!” Vai devagar atrás daquele camião, a uma boa distância, para que se algum carro se despistar, ele nos proteja!
Assim fez Juan. Durante mais de uma hora, com o vento a bater forte no lado do carro e a fazê-lo balançar, com a chuva a molhar cada vez mais a terra das obras que cobriam a estrada e aquela nuvem negra. Sempre a nuvem negra em cima da estrada que não permitia ver mais longe do que a traseira do camião que Juan seguia.
De vez em quando Olhava para a berma e, sem nada ver, sabia que o precipício se encontrava a poucos metros de distância. Várias vezes teve que parar devido aos buracos, à falta de visibilidade e ao perigo de derrapagem. Juan transpirava e ansiava o fim daquele pesadelo. Contava as subidas, as descidas íngremes e as curvas apertadas e nunca mais acabavam.
Entre os vinte e os cinquenta quilómetros à hora, e às vezes menos, Juan dirigiu-se, em segurança, para a cidade capital.
Carregava com força na buzina e insultava os vendedores que se atravessavam no seu caminho. Ao peito, na sua T-shirt negra, as letras garrafais diziam “100% Chapin, como mi mama”. E como verdadeiro “chapin”, filho e neto de Maias e desde sempre morador de Santa Catarina, lá ia encostando o carro ao traseiro dos transeuntes e ganhando algum terreno.
Juan Pedro conseguiu sair de Solola mas não o conseguiu fazer a tempo. Por isso fez o que podia. Carregou no acelerador e ignorou todos os avisos. Quando lia na estrada as tabuletas a dizer “disminua su velocidad”, sabia que a mensagem não se dirigia a ele. Ele trabalhava com turistas e, como tal, o maior pecado era o atraso.
E foi em velocidade que passou pela “Iglesia Mission Príncipe de la paz”, e foi com impaciência que esperou na fila do controlo de frutas à saída de Encuentros. Foi lendo a lista da “fruta que no pasa” até que, finalmente, chegou a sua vez.
Passou sem problema e meteu-se cerro abaixo, fazendo as curvas apertadas à velocidade máxima que conseguia. Várias vezes sentiu o carro a sair de lado nas curvas e pensou que devia ter trocado os pneus. Os traseiros já não estavam grande coisa.
Ao ver que se aproximava o cerro Pasqual Abaj, onde os Maias têm o seu altar e fazem sacrifícios rituais todos os dias, rezou baixo ao sol e fechou a oração com o sinal da cruz. Sentiu-se seguro, mesmo na curva onde a cruz assinalava a saída de estrada do “loco” que levou o bus publico e mais de vinte ocupantes pela estrada fora e ao encontro da luz eterna. Todos “muertos”, mesmo a seguir à placa que avisava: “gancho peligroso”.
Juan chegou com vinte minutos de atraso e nunca soube que os “gringos” já estavam a tentar arranjar outro carro que os levasse para a cidade capital.
Pensando em ganhar algum do tempo perdido, Juan nem parou para ir aos “sanitários”. Com pressa carregou o carro e pensou: “gringos locos, compraram todo el mercado”.
E arrancou o mais rápido que pode.
Fez o caminho inverso até Encuentros e, aí, virou no sentido contrário de Solola. O caminho estava bom e tudo corria bem. Assim foi durante uns quilómetros. Não tardou, no entanto, que as obras na estrada lhe travassem o passo. No meio da estrada lá estava o tronco de madeira com os pregos espetados e virados para cima. A única forma de parar os condutores dos “bus público” e, também, todos os outros. Foi o segundo carro a chegar, o que significava que a espera ia ser grande.
Parado junto ao “comedor el buon Samaritano” foi vendo os outros carros a fazerem uma fila que se perdia para lá das curvas que o trouxeram até aquele sítio. Começaram a chegar os vendedores de cestos, de fruta e de bebidas. Também os “bus público” que evitavam filas chegavam ao seu lado e estacionavam na berma, do outro lado da estrada, como se a ordem de chegada não fosse lei para eles cumprirem.
Dos “Bus” saíam as gentes dos “pueblos”, desalinhados e com ar de medo. Outros nem sequer conseguiam tirar as mãos do ferro do banco da frente. Mesmo parados não confiavam no condutor e na estabilidade da viagem.
Juan olhava aquela gente dura e revia mamã e papá.
Agora com o contacto com tantos turistas, algumas coisas já não lhe pareciam tão bem como dantes. Quando viu Juana Martina a sair do “bus” ainda pensou em falar com ela. No entanto, quando ela se dirigiu para o lado de um desconhecido que urinava na beira da estrada, encostado aos carros, e se abaixou para fazer o mesmo, levantando um pouco a saia e agachando-se ligeiramente, Juan virou a cara para evitar o contacto.
Não chegou a ver a forma natural como ela limpou os calcanhares molhados inadvertidamente, à bainha da saia.
Apreciando as pessoas e respondendo às perguntas dos turistas Juan viu passar uma hora e viu uma “picop” estacionar à sua direita, fora da estrada, como se tratasse de uma grelha de partida de uma corrida como as que há na América e se vê na televisão. Juan viu, com preocupação que as nuvens baixavam e que começava uma chuva miudinha que tornava a “carretera” em “mantequilla pura”.
Aos poucos foram passando os carros que vinham em sentido contrário. Primeiro eram claros ao sol e, aos poucos foram escurecendo até parecerem fantasmas cinzentos que saiam, de repente, de uma massa escura e espessa. Só se viam mesmo quando chegavam junto de Juan.
Os guardas da estrada informaram que iam abrir a estrada quando já não se via a mais de dez metros de distância. Os motores dos carros começaram a soltar fumo e a fazer muito barulho. Sentia-se no ar a vontade de passar primeiro
Claro que com os “bus público” não havia nada a fazer. Eles aceleravam sempre em frente e esperavam que os outros saíssem do caminho. Foram os “buses” e Juan colou-se a eles. Nem reparou que os turistas deram um salto quando a “picop” quase raspou a traseira do seu carro.
Não tardou muito a sua vantagem. Na curva seguinte, a “picop” acelerou e ultrapassou Juan que se manteve o mais próximo que podia.
Foi com espanto e muita surpresa que Juan viu a “picop” a andar de lado, atravessar-se na estrada e bater no muro do lado direito com a frente. Mesmo assim, a “picop” não parou e continuou a rodar em direcção a Juan e aos turistas. Juan atirou com força os pés para cima dos travões e tentou “frenar”. Nada feito. O seu carro começou a fazer a mesma dança descontrolada que a “picop” tinha feito. Juan viu o pânico da sua cara quando passou os olhos pelo retrovisor e sentiu o saco da bananas dos turistas a passar perto. Ao mesmo tempo ouviu um grito que dizia para não travar, para seguir “adelante”.
Juan tirou o pé do travão, virou o volante no sentido contrário em que o carro estava a derrapar e conseguiu passar rasando a traseira da “picop”. Pelo espelho viu os carros que vinham atrás a derrapar e a passar pelo mesmo sítio que ele tinha passado Se tinha batido, Juan tinha sido entalado entre um camião e a “picop”. Dentro do carro estavam todos muito brancos e em silêncio.
Juan não se lembrou de dizer mais nada. Apenas disse:
“Quieren parar para ir el baño?”
“No Gracias!” Vai devagar atrás daquele camião, a uma boa distância, para que se algum carro se despistar, ele nos proteja!
Assim fez Juan. Durante mais de uma hora, com o vento a bater forte no lado do carro e a fazê-lo balançar, com a chuva a molhar cada vez mais a terra das obras que cobriam a estrada e aquela nuvem negra. Sempre a nuvem negra em cima da estrada que não permitia ver mais longe do que a traseira do camião que Juan seguia.
De vez em quando Olhava para a berma e, sem nada ver, sabia que o precipício se encontrava a poucos metros de distância. Várias vezes teve que parar devido aos buracos, à falta de visibilidade e ao perigo de derrapagem. Juan transpirava e ansiava o fim daquele pesadelo. Contava as subidas, as descidas íngremes e as curvas apertadas e nunca mais acabavam.
Entre os vinte e os cinquenta quilómetros à hora, e às vezes menos, Juan dirigiu-se, em segurança, para a cidade capital.
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