Todos sabem que me tenho fartado de fazer obras neste Pocinho que, quando cá cheguei, estava em ruinas. Todos sabem, sobretudo os que me conhecem, que sou extremamente cuidadoso para não estragar o ambiente e a arquitectura do local. Preservar a história, a cultura e vivência do espaço tem sido o meu lema e a minha preocupação.
Antes de começar a amontoar pedras e a espalhar cimento, tive o cuidado de pedir pareceres a vários técnicos. Por exemplo, e para além dos projectos obrigatórios, convidei um Biólogo para me ensinar quais eram as espécies mais sensíveis. Perguntei ao pessoal da candidatura à UNESCO qual seria a telha mais própria. Respeitei, completamente, a estrutura e a função dos espaços construído. Aliás, o resultado satisfaz-me bastante.
No entanto houve episódios caricatos:
Um dia vi dois Guardas Florestais pendurados nos meus muros. Não era a primeira vez, segundo disse o pessoal que cá trabalha.
Outro dia, estavam duas técnicas do ambiente dentro dos meu terreno. Quando foram vistas desataram a correr rumo à saída. Uma delas era gordinha e deu um espectáculo engraçado.
Outro dia, ainda, fui chamado pelo pessoal porque estava um "homezinho" com uma máquina fotográfica dentro do terreno, junto à minha casa. Lá fui ver quem era. Tratava-se de mais um técnico do "ambiente". Pu-lo na rua, claro. Perguntei-lhe o que queria e ele só perguntava: "Abriu uma estrada? Se fosse agora, voltava a fazer?". Repetiu várias vezes a pergunta até que lhe respondi que: "sim! Claro! Adeus!" e fechei o portão.
Uma vez mais tive outra visita do "ambiente". Era uma arquitecta que, desta vez, pediu autorização para entrar. Ao fim de pouco tempo já estava a fazer barulho. "Falta uma parede! Segundo esta planta falta uma parede!" Como tenho pouca paciência para "meninos fiscais", quis madá-la embora. Safou a situação a calma da minha mulher que lhe explicou que estava a ver a planta de pernas para o ar e que, a dita parede, estava onde devia; do outro lado. Corou a rapariga e foi-se embora.
Farto de tanta visita clandestina, fui falar com o Arquitecto responsável pelos serviços. Disse-lhe que se quisessem visitar o Pocinho era só pedir. Não haveria qualquer entrave, da minha parte. Ele disse-me que o problema é que tinha havido denuncias. Que tinham de actuar. Eu disse que não havia problema, que fizessem o que tinham de fazer mas que parassem, de entrar em minha casa como se fossem ladrões. Depois de um tempo de conversa lá obtive a informação correcta. "Abriste um caminho, cortaste "vassoura" e, como houve denúncia, temos de fazer algo."
Relembrei-o que não abri nenhum caminho, que me limitei a limpar uma canada e que já o tinha informado a ele e ao Secretário Regional do Ambiente, quando tinham estado em minha casa, de que faria tal limpeza.
"Pois é! Devias ter feito por escrito!"
Fiquei mais descansado. Não havia dano à natureza, apenas burocracia.
"Ainda podes fazer o pedido, tens é que meter a data anterior. Estamos em época de eleições e ainda pode haver problema…podem dizer que foste beneficiado por conheceres o Secretário. Faz o pedido."
É claro que não fiz pedido nenhum. Já o tinha feito verbalmente. Questões burocráticas e políticas não me motivam.
Tenho agora duas "contra-ordenações". Uma por abrir um "estradão" segundo a terminologia dos "especialistas" e outra por ter cortado um número incerto de pés de "vassoura".
Tudo bem, não é grave. Gostava, no entanto, de retirar algumas conclusões:
1- Não se pode confiar na conversa das pessoas. Ou há documentos assinados ou, à última da hora, corremos o risco de passar por "clandestinos".
2- O estado parte do princípio que os cidadão são incompetentes. Podemos fazer as coisas de forma correcta mas, se não houver autorização, está tudo errado.
3- Amanhã, se quiser, posso cortar a "vassoura" toda para plantar vinha. Está previsto no plano da zona protegida. Até me dão dinheiro para cortar tudo, desde o Pocinho até à estrada do Monte. Haja lógica. A espécie é protegida ou não?
Penso que é necessário menos estado e mais cidadania. É preciso formar os "técnicos" do estado, de forma a não fazerem figuras ridículas que só desacreditam aqueles que representam. É necessário, sobretudo, pensar na delegação dos poderes. Para ter poder é fundamental ser-se objectivo, maturo e responsável. Não basta uma licenciatura.
Conheço "montes de licenciados que são umas bestas. Até conheço um que é deputado.