Quarta feira, dia ilustre. O grande milhafre motorizado vai, finalmente, aterrar na nossa Ilha. À espera está um grande número de populares. Dividem-se em grupos e comentam o fenómeno. Sente-se, no ar, um clima de desconfiança. Vou avançando e falando com os grupos. O vento sopra lá fora. Dizem os entendidos que vem de Sul.
- Viva! Grande dia!
- Vamos ver. Até agora ainda não vi nada. Nem sequer acredito nessa história de vir aí esse avião.
- Porque não?
- Ó "home", porque é assim mesmo. Os da Terceira e os do Faial estão juntos contra isto.
- E para que são essas lanternas?
- Não há-de ser por falta de luz que o "homezinho" não aterra. A gente trouxe os "foxes" da caça e vamos lá para dentro para marcar a "vereda" onde ele tem de acertar. Assim não há desculpas…
- OK! Até já e bom trabalho.
O vento parece aumentar e as bandeiras do P.S. começam a forçar os paus a que estão presos. A Rosa emaranha-se e perde a cor. Será que se contorce de vergonha, pensando que o candidato afinal, apesar dos discursos escarninhos do Conclave e dos seus representantes mais ortodoxos, ser o Sr. Furtado?
- Boa tarde! Para que é a caçadeira?
- O sacana, hoje, aterra aqui! Nem que tenha de lhe meter este chumbo no bucho!
- Viva o Pico! Fui dizendo e andando.
Uma nuvem cobre o céu. O prenúncio é negativo. Disse para mim mesmo; "Tá feio!". Caminhei até ao bar e ouvi a seguinte conversa:
- Dizem que falta rádio para a aproximação. Li num sítio…
- Qual rádio qual quê? Para que serve isso? Para ouvir a antena nove e a rádio Pico? Pode muito bem aterrar sem música. Deixem-se de tretas! Mariquices desses gajos do Continente.
Segui viagem até à porta de embarque. O ânimo era igual.
- O gajo não aterra porque não tem ILS!
- O que é isso "home"? Aquela droga dos comprimidos ou quê?
- Dizem que é para aterrar com instrumentos.
- Ná pode ser! Tenho um primo da América que diz que "lá fora" já não se usa isso, Podem meter armas nos instrumentos. Agora está proibido.
- Não sei, ouvi dizer…
- Até te digo mais. A Filarmónica das sete cidades não tem nenhum ILS mas toca bem na mesma. O passo dobrado dá gosto de ouvir,
Ouve-se o rugir dos motores. A silhueta da "ave" torna-se nítida e reluz ao sol.
- Eu bem que tinha dito, fomos lixados outra vez!
- Porquê homem? O avião vem aí.
- É mais pequeno do que o que vai ao Faial.
- É o mesmo tipo de avião. É igual!
- Não senhor! Estou farto de ver aviões e este é mais pequeno. Até parece que lhe apararam as asas. Sacanas! Só para o Pico não ser igual…
Com estrondo, contrariando o vento Sul, aterrou a "passarola". Rodopiou no final da pista, rumou ao terminal, encaixou a escadaria e começaram a sair os VIPs. Ouve-se um "Buuu" colectivo.
- Que foi? Que se passa?
- Ó "home" tás cego ou quê? Não ves que só vêm lá tipos da Terceira, de São Miguel e do Faial. Não há quase ninguém do Pico.
- E depois?
- O avião é para a gente do Pico! Se era para ser para esse gajos eu era contra. Abaixo o aeroporto!
Saí de mansinho. Fui directo para a mesa que tinha os restos do queijo que sobraram da BTL. A multidão seguiu-me. Os ânimos melhoraram muito quando o vinho e a linguiça começaram a circular.
- Forte avião!
- É verdade! Forte avião!
"UFFFF! Ainda bem que o avião não teve de aterrar no Faial" Pensei enquanto trocava felicitações com os meus conterrâneos.
- Grande dia!
- É verdade! Grande dia!