O Plano de Investigação e a Subjectividade
A fase pré-investigação implica um grande número de decisões que devem ser tomadas pelo investigador. Este deve optar sobre a delimitação espacial, temporal e disciplinar do tema a abordar de forma a construir um recorte definido da realidade, deve optar pelo conjunto de hipóteses explicativas dos fenómenos, deve escolher o enquadramento ideológico e teórico da abordagem e decidir sobre a modalidade da investigação e os instrumentos auxiliares de observação mais pertinentes.
A tomada de decisão, conforme já tivemos oportunidade de verificar, implica, por definição, uma componente de subjectividade. Sabendo que o cérebro humano é um sistema modular complexo onde se verificam milhões de interacções neuronais e que a quantidade de informação disponível, bem como a sua organização, são determinantes na construção do raciocínio, parece-nos aceitável concluir que dificilmente dois investigadores diferentes, perante um mesmo problema, façam as mesmas opções teóricas, metodológicas e técnicas.
Na investigação qualitativa este facto é coerente com as suas premissas fundamentais mas, no caso da investigação quantitativa parece-nos existir uma contradição de base. Esta não consiste no grau de probabilidade da escolha mas sim no facto de apesar de se recusar a importância do indivíduo e do particular enquanto objecto de estudo, este é, na figura do investigador, o ponto de partida para a construção da realidade e da descoberta das leis gerais.
A reacção metodológica a este factor contaminador dos resultados é a utilização de um conjunto de procedimentos mais ou menos tipificado que garanta a validade interna e externa dos resultados da investigação. Admitindo a hipótese de existirem procedimentos cujas características possam “descontaminar” a subjectividade de partida, resta-nos analisar se os adoptados possuem essas características.
O primeiro passo será a escolha de um processo estruturado de organização da realidade. O investigador que opte pela abordagem quantitativa deverá, de seguida, organizar a investigação direccionando-a para os grandes números ou para estudos de população reduzida. No primeiro caso o universo deverá ser sempre alargado e a amostra deve ser representativa. Existem procedimentos de selecção da amostra e testes estatísticos que nos garantem a sua fiabilidade e a margem de erro associada, tendo como referencial a curva normal. A questão que consideramos pertinente não pôe em causa a validade destes procedimento nem a fiabilidade dos testes enquanto construção matemática. O que questionamos é a possibilidade de partir de valores probabilísticos para a construção de leis gerais. Do nosso ponto de vista a natureza dos testes limita a natureza das conclusões. O que obtemos através dos grandes números são representações colectivas possíveis da realidade que provavelmente se reproduzirão em situações espaciais, sociais e temporais idênticas. Se acrescentarmos a este facto a necessidade que o investigador tem de neutralizar variáveis (por motivos metodológicos e técnicos) poderemos concluir que através destes estudos obtemos leis gerais cuja aplicabilidade depende de um conjunto vasto de condicionantes das quais faz parte integrante o azar (probabilidade).
Outra abordagem possível dos fenómenos passa pelo estudo de “pequenos números” através do estudos de características mais ou menos laboratoriais. Referimo-nos aos estudos experimentais com inclusão de grupos de controlo e manipulação das variáveis. Este método, de todos o que mais se aproxima das ciências ditas exactas, implica um maior distanciamento dos objectivos primordiais do paradigma quantitativo (leis gerais) na medida em que, para além de conter os mesmos factores de subjectividade dos estudos de grandes números acrescenta um outro. Referimo-nos às limitações à validade externa da investigação. Ou seja, para além de obtermos apenas respostas probabilísticas às nossas hipóteses de partida, não podemos, ao contrário dos estudos de massas, generalizar os resultados. Este facto limita grandemente o interesse deste tipo de estudos na medida em que os resultados só são válidos para os participantes ou para grupos de indivíduos que tenham as mesmas características e sejam colocados na mesma situação. Como sabemos, a probabilidade de encontrarmos dois indivíduos iguais é baixa. Esta aproxima-se do zero se o nosso objectivo for o de constituir dois grupos de indivíduos iguais com relacionamento e dinâmica interpessoal idênticas.
No caso da investigação qualitativa não é central o problema da validade externa que, por definição, atribui à conclusão a sua característica normativa (lei). Parece-nos lógico, portanto, que o investigador ao optar por um estudo de caso, por uma abordagem fenomenológica ou por um estudo etnográfico assume, à partida, o carácter limitado (não generalizador) da sua investigação.
Comparando os resultados obtidos em investigação com recurso aos dois paradigmas e a diferentes metodologias, parece-nos legítimo concluir que em qualquer dos casos o resultado final obtido consiste em leis particulares, aplicáveis em situações concretas, em contextos definidos e cuja generalização é probabilística.
Parece-nos aceitável afirmar que, em investigação nas ciências sociais e humanas, não podemos aspirar à obtenção de certezas (leis) mas apenas de probabilidades de certezas. Ao assumirmos como verdadeira esta afirmação aceitamos, também, a sua oposta: em investigação em ciências sociais e humanas obtemos apenas probabilidades de incertezas. Esta probabilidade de incerteza, que não deve ser confundida com margem de erro, aumenta se tivermos em linha de conta que tratamos realidades em contínua alteração. De facto, o indivíduo enquanto unidade complexa modifica os seus valores e os seus comportamentos influenciando e sendo influenciado por aqueles com que se inter-relaciona dando origem a novas realidades (ou construções desta).
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