Paradigma Quantitativo e Subjectividade
Sendo o objectivo último do paradigma quantitativo a construção de leis gerais parece-nos legítimo afirmar que o resultado esperado seria a normatização e a matematização do real. A busca científica teria como meta a construção de um conjunto de algoritmos preditivos que permitissem antecipar os comportamentos. Estamos no domínio do estímulo/reacção, independentemente do processo interior que os medeia. A percepção, a formação de impressões e todo o complexo processo de codificação da informação que acontece a nível do indivíduo são variáveis que o cientista se permite controlar para melhor construir uma explicação holística.
Um dos resultados mais recentes da abordagem quantitativa, do ponto de vista epistemológico, é, parece-nos, a expansão das ciências cognitivas. Estas, a par com a cibernética, visam essencialmente a redução do mental ao físico (Vignaux, 1991), através do desenvolvimento da inteligência artificial (visão mecanicista).
Não sendo nosso objectivo analisar em pormenor os pressupostos de base desta corrente científica, ficamo-nos pela análise das principais conclusões, ao momento, do estudo feito à luz desta abordagem sobre a tomada de decisão. Escolhemos este exemplo porque, para além de se tratar de uma aplicação prática dos pressupostos científicos quantitativos, é um processo inerente à actividade do investigador, independentemente da opção epistemológica.
A tomada de decisão é sempre uma procura da optimização dos resultados através da escolha das acções adequadas num estado da natureza (contexto) particular.
Este momento que se repete ao longo do processo de investigação é, também, gerador de subjectividade. Logo na actividade pré-decisional, avaliadores diferentes poderão discordar da forma de estruturar o problema: por divergirem na ordenação das consequências (preferências) ou na credibilidade (probabilidade) da relação acção/resultado.
O modelo normativo da tomada de decisão, de todos o que tem características mais matematizantes e “racionais”, implica sempre uma subjectividade de partida provocada pela selecção do algoritmo decisional (relação esperado/utilidade esperada) e não exclui, mesmo quando a opção algorítmica é comum, a violação dos axiomas provocada pela “irracionalidade” humana. Esta violação ou enviesamento é provocado pela sub ou sobreavaliação de probabilidades devido à não exaustividade (o ser humano é um processador limitado), à selectividade sistemática (privilégio de informações particulares), à incompreensão do conceito de “acaso” (não reconhecimento do componente aleatório) e à superconfiança no julgamento e decisão (negligência das limitações anteriores). Veja-se a este propósito a existência de paradoxos, como por exemplo o de Allais, que nos demonstra que a preposição simples segundo a qual quando quando A é preferido a B e existe C como combinação de A e B, A deve ser preferido a C que por sua vez deve ser preferido a B, é violada. Esta violação, que corresponde ao facto de alguns indivíduos escolherem, contra toda a lógica a opção B, denomina-se “violação da independência”.
Este facto apesar de aparentemente inócuo implica uma abordagem completamente diferente da existência de leis gerais. Deixamos de poder falar de causalidade absoluta para passar a utilizar a expressão “probabilidade”.
A tomada de consciência deste facto leva a que os decisores recorram frequentemente a heurísticas (conjunto de operações) na medida em que são adaptáveis a entidades cognitivas limitadas. Estas não garantem, no entanto, a optimização (generalização e certeza). As heurísticas revestem-se de características específicas conforme a definição e a hierarquização dos atributos e as dimensões do problema.
Podemos concluir que, independentemente da opção ser algorítmica ou heurística, a margem de erro (componente subjectiva) é uma constante de todo o processo decisional. Sendo que, em última análise, o erro sistemático é o caminho para a objectividade da decisão.
Este exemplo (tomada de decisão) leva-nos, por um lado, à confirmação da premissa quantitativa segundo a qual o mundo da consciência, da intuição e dos valores escapa à ciência (Lessard, Goyette e Boutin, 1990) e, por outro lado, à conclusão de que este facto impede a objectivação absoluta e consequente construção de leis gerais. Podemos concluir, também, que para além das implicações epistemológicas e teóricas, existe um outro elemento de subjectividade que corresponde à figura do investigador enquanto sistema complexo de processamento de informação, que tem como parte integrante das suas tarefas a tomada de decisão.
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