sábado, janeiro 22, 2005

5ª Feira D´amigas (ficção)

Os preparativos para a noite começaram cedo. A escolha do traje já estava feita há algum tempo, Tratava-se, agora, de dar corpo à fantasia.

Tentavam trazer para a realidade as suas fantasias. Uma vestida de Tina Turner e a outra de Margaret Thatcher. A insinuação por um lado e o poder, por outro.

A primeira assemelhava-se no tom de pele, a outra nem nisso, apenas a vontade de ser poderosa poderia fazer lembrar a dama de ferro. Foram horas de trabalho. Dias de preparação e de procura minuciosa das fantasias. Agora, finalmente, estava na hora de fazer o teste.

Olhavam-se no espelho, com nervosismo, e sentiam-se bem.

A primeira vestida com uma roupa pouco conservadora. A saia curta, de napa vermelha, fazia realçar a grossura das cochas. A camisa branca, justa, tinha a maioria dos botões abertos, deixando antever o soutien também vermelho. Nos pés uns sapatos altíssimos, a condizer com a saia, terminavam uma perna enrolada numa meia preta, muito fina, que mal escondia os pêlos das pernas. Estaria escuro, não se deveria notar muito.

O realce agora, a nota dissonante era o volume dos braços. A cabeleira comprida, negra e encaracolada, chegava pelo meio das costas e, com um novo penteado, puxando uma parte do cabelo para a frente dos ombros, a ilusão melhorava. Os ombros desapareciam. A cara era uma tela de artista principiante, cheia de cores primárias. Muito vermelho espalhado pelos lábios e pelas maçãs do rosto e, os longos cílios envolvidos numa gradação de cinzentos.

- "Simply the best!"

Dizia a personagem em frente ao espelho. Alta demais, muito morena e gordita, desiquilibrada nos saltos altos, com os braços no ar, parecia uma artista de cabaret. Estava satisfeita com a fantasia.

A segunda, mais conservadora, enfiada num saia e casaco de tweed cor de rosa, com umas beiras bordadas. A cabeleira muito cheia de laca mantinha-se no ar como por milagre. A cara muito branca, tinha uns retoques suaves em tom creme. Os óculos grandes completavam a ilusão. As pernas enfiadas numas collants brancas opacas, pareciam mais finas do que eram realmente. Nos pés uns sapatos pretos de tacão moderado. O toque final era dado pela carteirinha preta debaixo do braço esquerdo. O olhar nervoso contrariava a aparente segurança.

- Beautifull!

Olharam uma para a outra e sentiram-se bem. Com um beliscão na bochecha da Tina, a Margaret disse:

- Let´s go! It´s show time!

E lá foram as duas, inseguras em cima dos saltos altos, a caminho da festa.

Entraram nervosas e, após pararem durante um bocado à porta, para avaliarem o impacto da sua presença, decidiram entrar. Foram directas à mesa das amigas do PS, que já há algum tempo as olhavam desconfiadas.

Ao chegarem à mesa a Thatcher disse com convicção;

- Amigas! Esta é a nossa nova candidata. A futura presidente das mulheres socialistas. - A Tacher fez o seu discurso, sempre olhando para o lado, nunca encarando as mulheres da mesa. Parecia temer que o olhar pudesse fazer acabar o sonho e fazê-la voltar à realidade.

Da mesa, durante uns segundos, não se ouviu qualquer comentário ou murmúrio. O silêncio era constrangedor. Até que, de repente, como se tivesse sido combinado, desataram todas a rir ao mesmo tempo.

Uma, mais afoita, disse:

- Vai-te catar! Desapareçam as duas!

Sem resposta, olharam uma para a outra e viraram-se em direcção à saída. Na passagem ainda passaram pela mesa das amigas do PSD que diziam, no meio da confusão:

- Aquela é a tal….
- A nossa que quer ser presidente deles…

Sem olharem para a sala, no meio de uma risada que aumentava de tom até se tornar insuportável, ainda se ouviu a Tina a dizer:

- Eu bem avisei que não dava resultado.
- O chefe queria tanto. - Respondeu a Thatcher.

Ao fundo ainda se ouviu:

- Fora travestis!