segunda-feira, janeiro 03, 2005

Tragédia

Três amigos reuniram-se, para decidir dar um passo gigante para resolverem as suas vidas. Três sonhos cruzaram-se para fugir à falta de trabalho, às guerras locais, à fome e à miséria a que os seus filhos estão abandonados. Decidem, então, com uma coragem imensa, maior do que o coração que os prende e afasta, procurar o seu sonho.
Entre a angústia do desconhecido e o medo da indiferença são empurrados para longe dos seus. Abandonam a família, a certeza do reconfortante lar e os amigos de sempre. Levam na bagagem o cheiro a terra, da sua terra. A distância atenua as fragrâncias do dia a dia, e faz-lhes lembrar, minuto a minuto, segundo a segundo, a perda e a solidão.
Quis o destino que na sua demanda viessem aterrar na longínqua ilha do Pico. Aqui fazem casas que nunca habitarão, enfiam-se em embarcações rodeadas de espuma branca e reconstroem templos a Deuses a que não rezam. Aqui ganham a força dos desenraizados e fazem sua a fibra dos ilhéus. Vão contando dias que são anos e matando a saudade com fugazes telefonemas. Iludem a realidade com a solidariedade que os amarra e fazem da poupança a sua bandeira. A familia é o seu destino.
A sua vida é solitária e amarga. Passam por nós como espíritos, fantasmas de uma realidade que não queremos nossa. Só reparamos neles quando se juntam em grupos, quando o excesso de abandono os leva a cometer alguma asneira ou quando não resistem ao apelo do alcool com que tentam apagar a dor que os rói por dentro, que lhes queima o mais profundo do seu ser.
Vieram de longe, quase todos. Alguns de muito longe. Cruzam-se connosco, diáriamente, sem se misturarem. Fazem da discrição condição essencial para a tolerância. É o mais próximo da aceitação que conseguem obter.
Foi desta forma silenciosa, discreta, quase indolor que três trabalhadores estrangeiros morreram, no dia da passagem de ano, na Areia Larga, na nossa e agora também deles, Ilha do Pico.
Para alguns pode parecer estranho ou até mesmo improvável mas, tão certo como as marés e como o grito rouco dos cagarros nas noites de verão, há, neste momento, algures, no lado de lá do mar, três familias que sentem, desesperadas, o peso esmagador da perda e da saudade. Como se mais uma prova da sua difícil vida fosse necessária.
Adeus e até sempre!

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